(Mais de três anos depois...)
Ao
longo dos últimos meses o futebol até que tentou se preparar para encarar a
dura realidade que se avizinhava na Inglaterra, mas não conseguiu. Não era
possível tratar com naturalidade o que estava por acontecer. Na segunda-feira,
2 de maio de 2016, o empate entre Chelsea e Tottenham sagrou o Leicester City
Football Club, campeão da badaladíssima Premier League, redefinindo conceitos
como “zebra”, “conquista heroica”, e tantos outros. Na segunda-feira, 2 de maio
de 2016, os Foxes redefiniram o futebol.
O
título do Leicester é, provavelmente, o maior feito esportivo da história, em
qualquer modalidade. Que ele nunca seja citado com desdém. Não se trata de
desmerecer outras grandes surpresas que o esporte sempre nos proporcionou, como
o título de Boris Becker em Wimbledon em 1985 aos 17 anos de idade, o primeiro
de um não cabeça de chave no torneio; ou o lendário Nottingham Forest de Brian
Clough, campeão inglês em 78 e bicampeão Europeu em 79 e 80, em uma época mais romântica do futebol; hoje, os tempos são outros.
Desde o Blackburn de Alan Shearer, em 1995, a opulenta Premier League não via outro vencedor além de Manchester United, Arsenal, Manchester City e Chelsea. Voltando mais no tempo, o último campeão inédito da primeira divisão na Inglaterra fora o lendário Nottingham Forest de Brian Clough, em 1978. Isso pode ajudar a dimensionar o ineditismo da conquista do Leicester, mas talvez não faça justiça à dificuldade da odisseia até o troféu.
14º colocado na temporada anterior, em abril de 2015 o Leicester estava a 7 de pontos de sair da zona de rebaixamento. Exatamente um ano depois, na campanha atual, já liderava o campeonato mais competitivo do mundo por 7 pontos. No início do campeonato, em uma época onde o dinheiro é (ou era, até então) visto como fator decisivo no destino de um time de futebol, o LCFC era o 4º elenco mais barato da EPL, a frente apenas dos recém-promovidos Watford, Norwich e Bournemouth. Em números, os 11 titulares do Leicester valiam meros 22M de libras, contra astronômicos 281M do Manchester City. As casas de apostas inglesas pagavam 5000/1 por um título do Leicester; por encontrarem Elvis vivo, 500/1.
Ignorando todos esses números, o Leicester contou com uma regularidade impressionante desde as primeiras rodadas, figurando entre os cinco primeiros colocados o campeonato inteiro. O LCFC não foi um 8º colocado que deu uma arrancada até a liderança, ou um time que alternou bons e maus momentos até engrenar uma boa sequência na reta final. O Leicester foi protagonista da Premier League, e isso por si só já seria monstruoso.
Ainda assim, demoramos a acreditar. Demoramos porque já assistimos ensaios demais dessa peça que nunca estreou. Demoramos porque idolatramos os ícones e as cifras, os nomes e as camisas. Demoramos porque, por tempo demais, o futebol foi estatística fria, lógica inflexível e fato concreto.
É impossível imaginar o quanto essa desconfiança torna tudo mais difícil. Os resultados vinham, as atuações eram consistentes, os atletas se entregavam em campo, o treinador mostrava entender o tamanho do desafio, mas a desconfiança sempre esteve lá: em agosto, novembro, dezembro, fevereiro, até em abril. Era um “conto de fadas” que vinha se alongando, mas nunca poderia vingar, porque no mundo real “contos de fadas” não existem.
Pois coube a um time de desconhecidos e “refugos”, comandado por um técnico de currículo modesto, implodir a realidade. Com Claudio Ranieri no banco (que tinha como último trabalho uma passagem relâmpago pela Seleção da Grécia, de onde acabou demitido após uma derrota para as Ilhas Faroe) e jogadores praticamente anônimos como Jamie Vardy, Riyad Mahrez, N’Golo Kanté, Kasper Schmeichel e Andy King, o Leicester City mudou a história do futebol.
Desde o Blackburn de Alan Shearer, em 1995, a opulenta Premier League não via outro vencedor além de Manchester United, Arsenal, Manchester City e Chelsea. Voltando mais no tempo, o último campeão inédito da primeira divisão na Inglaterra fora o lendário Nottingham Forest de Brian Clough, em 1978. Isso pode ajudar a dimensionar o ineditismo da conquista do Leicester, mas talvez não faça justiça à dificuldade da odisseia até o troféu.
14º colocado na temporada anterior, em abril de 2015 o Leicester estava a 7 de pontos de sair da zona de rebaixamento. Exatamente um ano depois, na campanha atual, já liderava o campeonato mais competitivo do mundo por 7 pontos. No início do campeonato, em uma época onde o dinheiro é (ou era, até então) visto como fator decisivo no destino de um time de futebol, o LCFC era o 4º elenco mais barato da EPL, a frente apenas dos recém-promovidos Watford, Norwich e Bournemouth. Em números, os 11 titulares do Leicester valiam meros 22M de libras, contra astronômicos 281M do Manchester City. As casas de apostas inglesas pagavam 5000/1 por um título do Leicester; por encontrarem Elvis vivo, 500/1.
Ignorando todos esses números, o Leicester contou com uma regularidade impressionante desde as primeiras rodadas, figurando entre os cinco primeiros colocados o campeonato inteiro. O LCFC não foi um 8º colocado que deu uma arrancada até a liderança, ou um time que alternou bons e maus momentos até engrenar uma boa sequência na reta final. O Leicester foi protagonista da Premier League, e isso por si só já seria monstruoso.
Ainda assim, demoramos a acreditar. Demoramos porque já assistimos ensaios demais dessa peça que nunca estreou. Demoramos porque idolatramos os ícones e as cifras, os nomes e as camisas. Demoramos porque, por tempo demais, o futebol foi estatística fria, lógica inflexível e fato concreto.
É impossível imaginar o quanto essa desconfiança torna tudo mais difícil. Os resultados vinham, as atuações eram consistentes, os atletas se entregavam em campo, o treinador mostrava entender o tamanho do desafio, mas a desconfiança sempre esteve lá: em agosto, novembro, dezembro, fevereiro, até em abril. Era um “conto de fadas” que vinha se alongando, mas nunca poderia vingar, porque no mundo real “contos de fadas” não existem.
Pois coube a um time de desconhecidos e “refugos”, comandado por um técnico de currículo modesto, implodir a realidade. Com Claudio Ranieri no banco (que tinha como último trabalho uma passagem relâmpago pela Seleção da Grécia, de onde acabou demitido após uma derrota para as Ilhas Faroe) e jogadores praticamente anônimos como Jamie Vardy, Riyad Mahrez, N’Golo Kanté, Kasper Schmeichel e Andy King, o Leicester City mudou a história do futebol.
Vardy é
a cara da história de sucesso dos Foxes. Em 2012, foi contratado por 1M de
libras vindo do Fleetwood Town, que jogava a QUINTA divisão. Em 2016, quebrou o
recorde de Ruud Van Nistelrooy ao marcar em 11 jogos na Liga. Em 2008, aos 21
anos, jogava pela SÉTIMA divisão ganhando 30 libras por semana. Em 2016, foi
convocado para a Seleção da Inglaterra e está na briga por uma vaga na lista de
Roy Hodgson para disputar Eurocopa.
O
argelino Mahrez veio do Le Havre, da segunda divisão francesa, por singelos 400
mil euros em 2013. Assombrou adversários e analistas com seus 17 gols e 11
assistências, sendo eleito jogador do ano da Premier League. Peça fundamental
no sucesso do LCFC, estima-se hoje seu valor na casa dos 30M de libras.
Kanté
foi contratado do Caen por 5M de libras, mais do que alguns de seus
companheiros, mas ainda assim um valor baixíssimo para as negociações do futebol
de hoje em dia. O volante tornou-se um dos destaques do Leicester e da EPL, líder
(e recordista) do ranking de roubadas de bola na competição, e chegou à Seleção
Francesa. Hoje é alvo de assédio de várias equipes da Europa.
Filho
do mítico goleiro da Manchester United, Schmeichel migrou repetidamente entre
times de menor expressão após seu surgimento no Manchester City: Darlington,
Bury, Falkirk, Cardiff City, Coventry City e Notts County, até chegar ao Leeds,
e de lá, em 2011, assinar pelo Leicester. O vice-capitão da equipe foi
importantíssimo na campanha dos Foxes, que contaram com uma série de resultados
magros em jogos decisivos para assegurar o título.
Por
fim, é importante citar Andy King, o menos badalado dos pouco badalados. Cria
da categoria de base, defendeu apenas o Leicester durante toda sua carreira
profissional. Com o título desta temporada se tornou o primeiro jogador da era
da Premier League a ser campeão da 3ª, 2ª e 1ª divisões da Inglaterra com o
mesmo clube. Andy King é uma bandeira viva, com mais de 300 jogos com a camisa
do LCFC em uma época onde... Bom, vocês já sabem.
São
esses elementos que tornam toda a conquista do Leicester especial. Não se trata
de um time de baixo investimento promovendo uma surpresa. Não se trata de uma
equipe de jogadores renegados conquistando a simpatia de torcedores neutros.
Não se trata do primeiro título de expressão de um clube tradicionalíssimo. Não
se trata de um troféu imprevisível para um azarão. É tudo isso junto, e muito
mais.
Tenho
28 anos e já vi algumas coisas no futebol, mas fico extremamente feliz por ter
presenciado um feito desses. Honestamente, não sei se terei a oportunidade de
ver algo assim de novo; provavelmente não. Mas não devemos nunca dizer nunca,
mesmo que as chances sejam de 5000/1.
Por que meu time não vence?
“Leicesters” não vão acontecer
todo ano. É claro que o futebol continuará sendo dominado pelos gigantes. É
inegável que o dinheiro é uma variável fundamental na equação para formar um
time competitivo e que aspire à títulos. Entretanto, as cifras cada vez mais
altas envolvidas nos negócios fazem com que o investimento certeiro em reforços
e estrutura sejam hoje o diferencial entre os clubes. O Leicester jamais
conseguiria competir com os “gastões” da Inglaterra se entrasse em disputas de
mercado com City, United, Arsenal e tantos outros. Se tentasse, certamente a
conquista épica de 2016 não teria existido.
A tabela de classificação da
Premier League dá indícios de que os grandes da Inglaterra patinaram na hora de
transformar seu poderio financeiro em ganho esportivo. Em um ano onde vários
times abriram os cofres já prevendo o novo contrato de TV da próxima temporada,
equipes como Tottenham, West Ham, Stoke City - além do próprio Leicester -
fizeram boas campanhas dentro de suas realidades e se aproveitaram dos deslizes
de rivais. Souberam se reforçar com bons nomes, que couberam em suas
aspirações, e surpreenderam. Em contrapartida, o tradicionalíssimo Aston Villa
amargou uma temporada trágica e terminará o ano com uma das piores pontuações
da história da Premier League. É o fundo do poço de uma sequência de equívocos
ao longo dos últimos anos.
Por
isso, e acima de qualquer coisa, o triunfo do Leicester serve como quebra de
paradigma para uma série de verdades universais que estavam em vigência no
mundo do futebol. A principal delas é a resposta para a recorrente pergunta
“Por que meu time não vence”, que até então era contestada com o dogma do “dinheiro”,
salpicado com o argumento “camisa”. Isso não é, pura e simplesmente, verdade.
Seu
time não vence porque não trabalha bem. Porque investe mal o dinheiro que tem. Porque
não tem profissionais capacitados. Porque aposta em nomes e não no talento. Porque
ignora o fator humano do jogo. Porque não busca jogadores que se encaixem no
padrão da equipe. Porque lida com o futebol como ciência exata. Porque não
confia na manutenção do elenco. Porque não observa o mercado. Porque não banca
um técnico que encara uma sequência ruim.
Esse
cenário desolador é a regra no futebol brasileiro – isso sem contar os acordos escusos
e trocas de favores por baixo dos panos, que prejudicam ainda mais os clubes.
Vemos equipes que constantemente reaproveitam jogadores dispensados ou com
passagens apagadas por outros times ao invés de buscar novos reforços em
mercados alternativos. Há dinheiro de sobra no futebol nacional para contratar
fora do país, e me arrisco a dizer, até na Europa. Porém, escravos da bolha de
valores vigente e incompetentes, as agremiações do Brasil pagam altos montantes
em negócios que dificilmente dão retorno econômico e, muitas vezes, sequer se
pagam nem esportivamente. Uma lista de “reforços” recentes dos clubes
brasileiros que se encaixam nesse padrão teria muitas e muitas linhas, então
melhor deixar para lá...
Ao
menos, e felizmente, fica a lição do Leicester. É possível sim vencer e
desafiar as probabilidades através da competência, da paixão, da seriedade e do
trabalho. Em poucas horas, Mahrez, Vardy e companhia entrarão no gramado do
King Power Stadium, diante de sua apaixonada e ainda incrédula (ou não!)
torcida. Ao final do jogo o capitão Wes Morgan erguerá a taça da EPL 2016, o
confete voará e estará sacramentada oficialmente a conquista dos Foxes. Uma ode
ao que o futebol tem de mais bonito e que, certamente, jamais se esquecerá.