sexta-feira, 6 de maio de 2016

Obrigado, Leicester

(Mais de três anos depois...)

Ao longo dos últimos meses o futebol até que tentou se preparar para encarar a dura realidade que se avizinhava na Inglaterra, mas não conseguiu. Não era possível tratar com naturalidade o que estava por acontecer. Na segunda-feira, 2 de maio de 2016, o empate entre Chelsea e Tottenham sagrou o Leicester City Football Club, campeão da badaladíssima Premier League, redefinindo conceitos como “zebra”, “conquista heroica”, e tantos outros. Na segunda-feira, 2 de maio de 2016, os Foxes redefiniram o futebol.

O título do Leicester é, provavelmente, o maior feito esportivo da história, em qualquer modalidade. Que ele nunca seja citado com desdém. Não se trata de desmerecer outras grandes surpresas que o esporte sempre nos proporcionou, como o título de Boris Becker em Wimbledon em 1985 aos 17 anos de idade, o primeiro de um não cabeça de chave no torneio; ou o lendário Nottingham Forest de Brian Clough, campeão inglês em 78 e bicampeão Europeu em 79 e 80, em uma época mais romântica do futebol; hoje, os tempos são outros.

Desde o Blackburn de Alan Shearer, em 1995, a opulenta Premier League não via outro vencedor além de Manchester United, Arsenal, Manchester City e Chelsea. Voltando mais no tempo, o último campeão inédito da primeira divisão na Inglaterra fora o lendário Nottingham Forest de Brian Clough, em 1978. Isso pode ajudar a dimensionar o ineditismo da conquista do Leicester, mas talvez não faça justiça à dificuldade da odisseia até o troféu.

14º colocado na temporada anterior, em abril de 2015 o Leicester estava a 7 de pontos de sair da zona de rebaixamento. Exatamente um ano depois, na campanha atual, já liderava o campeonato mais competitivo do mundo por 7 pontos. No início do campeonato, em uma época onde o dinheiro é (ou era, até então) visto como fator decisivo no destino de um time de futebol, o LCFC era o 4º elenco mais barato da EPL, a frente apenas dos recém-promovidos Watford, Norwich e Bournemouth. Em números, os 11 titulares do Leicester valiam meros 22M de libras, contra astronômicos 281M do Manchester City. As casas de apostas inglesas pagavam 5000/1 por um título do Leicester; por encontrarem Elvis vivo, 500/1.

Ignorando todos esses números, o Leicester contou com uma regularidade impressionante desde as primeiras rodadas, figurando entre os cinco primeiros colocados o campeonato inteiro. O LCFC não foi um 8º colocado que deu uma arrancada até a liderança, ou um time que alternou bons e maus momentos até engrenar uma boa sequência na reta final. O Leicester foi protagonista da Premier League, e isso por si só já seria monstruoso.

Ainda assim, demoramos a acreditar. Demoramos porque já assistimos ensaios demais dessa peça que nunca estreou. Demoramos porque idolatramos os ícones e as cifras, os nomes e as camisas. Demoramos porque, por tempo demais, o futebol foi estatística fria, lógica inflexível e fato concreto.

É impossível imaginar o quanto essa desconfiança torna tudo mais difícil. Os resultados vinham, as atuações eram consistentes, os atletas se entregavam em campo, o treinador mostrava entender o tamanho do desafio, mas a desconfiança sempre esteve lá: em agosto, novembro, dezembro, fevereiro, até em abril. Era um “conto de fadas” que vinha se alongando, mas nunca poderia vingar, porque no mundo real “contos de fadas” não existem.

Pois coube a um time de desconhecidos e “refugos”, comandado por um técnico de currículo modesto, implodir a realidade. Com Claudio Ranieri no banco (que tinha como último trabalho uma passagem relâmpago pela Seleção da Grécia, de onde acabou demitido após uma derrota para as Ilhas Faroe) e jogadores praticamente anônimos como Jamie Vardy, Riyad Mahrez, N’Golo Kanté, Kasper Schmeichel e Andy King, o Leicester City mudou a história do futebol.

Vardy é a cara da história de sucesso dos Foxes. Em 2012, foi contratado por 1M de libras vindo do Fleetwood Town, que jogava a QUINTA divisão. Em 2016, quebrou o recorde de Ruud Van Nistelrooy ao marcar em 11 jogos na Liga. Em 2008, aos 21 anos, jogava pela SÉTIMA divisão ganhando 30 libras por semana. Em 2016, foi convocado para a Seleção da Inglaterra e está na briga por uma vaga na lista de Roy Hodgson para disputar Eurocopa.

O argelino Mahrez veio do Le Havre, da segunda divisão francesa, por singelos 400 mil euros em 2013. Assombrou adversários e analistas com seus 17 gols e 11 assistências, sendo eleito jogador do ano da Premier League. Peça fundamental no sucesso do LCFC, estima-se hoje seu valor na casa dos 30M de libras.

Kanté foi contratado do Caen por 5M de libras, mais do que alguns de seus companheiros, mas ainda assim um valor baixíssimo para as negociações do futebol de hoje em dia. O volante tornou-se um dos destaques do Leicester e da EPL, líder (e recordista) do ranking de roubadas de bola na competição, e chegou à Seleção Francesa. Hoje é alvo de assédio de várias equipes da Europa.

Filho do mítico goleiro da Manchester United, Schmeichel migrou repetidamente entre times de menor expressão após seu surgimento no Manchester City: Darlington, Bury, Falkirk, Cardiff City, Coventry City e Notts County, até chegar ao Leeds, e de lá, em 2011, assinar pelo Leicester. O vice-capitão da equipe foi importantíssimo na campanha dos Foxes, que contaram com uma série de resultados magros em jogos decisivos para assegurar o título.

Por fim, é importante citar Andy King, o menos badalado dos pouco badalados. Cria da categoria de base, defendeu apenas o Leicester durante toda sua carreira profissional. Com o título desta temporada se tornou o primeiro jogador da era da Premier League a ser campeão da 3ª, 2ª e 1ª divisões da Inglaterra com o mesmo clube. Andy King é uma bandeira viva, com mais de 300 jogos com a camisa do LCFC em uma época onde... Bom, vocês já sabem.

São esses elementos que tornam toda a conquista do Leicester especial. Não se trata de um time de baixo investimento promovendo uma surpresa. Não se trata de uma equipe de jogadores renegados conquistando a simpatia de torcedores neutros. Não se trata do primeiro título de expressão de um clube tradicionalíssimo. Não se trata de um troféu imprevisível para um azarão. É tudo isso junto, e muito mais.

Tenho 28 anos e já vi algumas coisas no futebol, mas fico extremamente feliz por ter presenciado um feito desses. Honestamente, não sei se terei a oportunidade de ver algo assim de novo; provavelmente não. Mas não devemos nunca dizer nunca, mesmo que as chances sejam de 5000/1.

Por que meu time não vence?

“Leicesters” não vão acontecer todo ano. É claro que o futebol continuará sendo dominado pelos gigantes. É inegável que o dinheiro é uma variável fundamental na equação para formar um time competitivo e que aspire à títulos. Entretanto, as cifras cada vez mais altas envolvidas nos negócios fazem com que o investimento certeiro em reforços e estrutura sejam hoje o diferencial entre os clubes. O Leicester jamais conseguiria competir com os “gastões” da Inglaterra se entrasse em disputas de mercado com City, United, Arsenal e tantos outros. Se tentasse, certamente a conquista épica de 2016 não teria existido.

A tabela de classificação da Premier League dá indícios de que os grandes da Inglaterra patinaram na hora de transformar seu poderio financeiro em ganho esportivo. Em um ano onde vários times abriram os cofres já prevendo o novo contrato de TV da próxima temporada, equipes como Tottenham, West Ham, Stoke City - além do próprio Leicester - fizeram boas campanhas dentro de suas realidades e se aproveitaram dos deslizes de rivais. Souberam se reforçar com bons nomes, que couberam em suas aspirações, e surpreenderam. Em contrapartida, o tradicionalíssimo Aston Villa amargou uma temporada trágica e terminará o ano com uma das piores pontuações da história da Premier League. É o fundo do poço de uma sequência de equívocos ao longo dos últimos anos.

Por isso, e acima de qualquer coisa, o triunfo do Leicester serve como quebra de paradigma para uma série de verdades universais que estavam em vigência no mundo do futebol. A principal delas é a resposta para a recorrente pergunta “Por que meu time não vence”, que até então era contestada com o dogma do “dinheiro”, salpicado com o argumento “camisa”. Isso não é, pura e simplesmente, verdade.

Seu time não vence porque não trabalha bem. Porque investe mal o dinheiro que tem. Porque não tem profissionais capacitados. Porque aposta em nomes e não no talento. Porque ignora o fator humano do jogo. Porque não busca jogadores que se encaixem no padrão da equipe. Porque lida com o futebol como ciência exata. Porque não confia na manutenção do elenco. Porque não observa o mercado. Porque não banca um técnico que encara uma sequência ruim.

Esse cenário desolador é a regra no futebol brasileiro – isso sem contar os acordos escusos e trocas de favores por baixo dos panos, que prejudicam ainda mais os clubes. Vemos equipes que constantemente reaproveitam jogadores dispensados ou com passagens apagadas por outros times ao invés de buscar novos reforços em mercados alternativos. Há dinheiro de sobra no futebol nacional para contratar fora do país, e me arrisco a dizer, até na Europa. Porém, escravos da bolha de valores vigente e incompetentes, as agremiações do Brasil pagam altos montantes em negócios que dificilmente dão retorno econômico e, muitas vezes, sequer se pagam nem esportivamente. Uma lista de “reforços” recentes dos clubes brasileiros que se encaixam nesse padrão teria muitas e muitas linhas, então melhor deixar para lá...

Ao menos, e felizmente, fica a lição do Leicester. É possível sim vencer e desafiar as probabilidades através da competência, da paixão, da seriedade e do trabalho. Em poucas horas, Mahrez, Vardy e companhia entrarão no gramado do King Power Stadium, diante de sua apaixonada e ainda incrédula (ou não!) torcida. Ao final do jogo o capitão Wes Morgan erguerá a taça da EPL 2016, o confete voará e estará sacramentada oficialmente a conquista dos Foxes. Uma ode ao que o futebol tem de mais bonito e que, certamente, jamais se esquecerá.

Obrigado, Leicester (Lestah!).

terça-feira, 2 de abril de 2013

Ter ou não ter, eis a questão


Com a veiculação da notícia de que o Botafogo estaria cogitando a devolução do Engenhão ao seu legítimo dono, o Poder Público, começou o debate sobre se a atitude é, de fato, a melhor para o clube. Tendo como alternativa mandar seus jogos no Caio Martins, em Niterói, parte da torcida defende a entrega do Estádio João Havelange para a prefeitura enquanto outra parcela acredita que, sanados os problemas que levaram ao fechamento da arena, o Botafogo deveria retornar ao Engenhão.

Claro que uma decisão desse porte não pode jamais ser tomada sem que se avalie todas as variáveis da equação. A perda de receitas com bilheteria e o prejuízo esportivo de não ter uma "casa" para jogar são os golpes mais sentidos em um primeiro momento. Porém, interditar o Engenhão significa muito mais do que isso. Existem vários acordos acertados para o uso dos camarotes, placas de publicidade, ações de marketing, enfim... Boa parte do orçamento do Botafogo foi e ainda pode ser diretamente afetado por conta dessa situação. É difícil imaginar que no futuro, mesmo com toda a questão estrutural resolvida, a imagem do estádio não se mantenha arranhada por um bom tempo e isso deixe possíveis investidores e parceiros com um "pé atrás".

No fundo, há muitos fatores que pesam contra o Engenhão. Enumerei alguns que me saltaram a memória, fazendo breves comentários:

1) Desde sua inauguração, o Estádio João Havelange conviveu com diversos problemas. O primeiro deles foi o gramado, que precisou ser inteiramente trocado pelo Botafogo assim que garantiu sua concessão. Além dessa belíssima obra, ao longo dos seis anos em que esteve ativo, o Engenhão apresentou falhas elétricas, hidráulicas, foi alvo de reformas em seu acabamento, sendo preciso até comprar um novo gerador para o estádio.

2) Os problemas de infra-estrutura dos arredores do Engenhão são um dos fatores que afastou o torcedor em geral do estádio. As médias de público de todos os clubes do Rio de Janeiro caem sensivelmente quando estes mandam seus jogos na "arena do Pan". Apesar de haver uma estação de metrô próxima, ela não comporta o fluxo de torcedores que o estádio recebe em partidas mais movimentadas. A iluminação deficiente contribuiu para o sentimento de insegurança dos torcedores e as intrincadas vias de acesso deixam a desejar para quem vai de carro ou ônibus para os eventos no estádio.

3) Apenas de manutenção mensal, o Botafogo desembolsa aproximadamente 450 mil reais. Além desse montante, há ainda o pagamento pela concessão recebida da Prefeitura. Ao final dos 20 anos de acordo, o clube terá desembolsado algo em torno de exorbitantes 100 milhões de reais. Não haveria um destino melhor para todo esse dinheiro? Quem sabe investir - ao lado de parceiros, claro - em uma arena particular não seria mais interessante a longo prazo?

4) Mais de uma vez o departamento de marketing do Botafogo reclamou das várias limitações impostas por contrato para a exploração plena do potencial mercadológico do Engenhão. Por mais compreensível que isso seja, dado que é - de fato - um estádio cedido pelo Poder Público, é mais um fator que trava o crescimento que o clube poderia ter caso fosse dono de seu próprio estádio, por mais simples e acanhado que fosse.

5) Estruturalmente, o Engenhão não atende aos interesses e necessidades do Botafogo. É uma arena muito grande para o fluxo de torcedores que os clubes brasileiros, em geral, recebem. Isso aumenta desnecessariamente os custos de operação. Ele também não tem as características de "alçapão" que a maioria das equipes prefere para mandar seus jogos. Além disso, há a já falada localização questionável. Somados, esses pontos se tornam um aspecto relevante na avaliação do sucesso/fracasso do Engenhão como casa do Botafogo.

Mesmo tudo isso em vista, é preciso colocar os pés no chão e entender que erguer um estádio no Rio de Janeiro é um sonho distante. Com valores exorbitantes cobrados pelo m² na cidade, especialmente em áreas mais nobres, há quem diga que isso só seria possível através de acordos com o Poder Público, como fez o Corinthians, por exemplo. Por conta de todo o embróglio envolvendo o Engenhão, acredito que essa não seja a melhor opção. É impossível achar que a empreitada de construir sua própria casa seja um trabalho fácil para o Botafogo, mas ainda assim é preciso avaliar essa alternativa.

O profissionalismo pleno de um clube de futebol passa por sua independência e, no momento, o que se vê é um Botafogo refém de um problema ainda mal-explicado. O ex-Prefeito César Maia, mandatário na época da construção do Estádio João Havelange, garante que sua interdição não passa de uma manobra para valorizar a concessão do novo Maracanã. De fato, a hora é conveniente, mas a verdade é que isso não altera os fatos para o bolso do Botafogo. A carruagem já virou abóbora e talvez seja a hora do Alvinegro buscar o sucesso sem contar com a ajuda de uma fada-madrinha qualquer...

quarta-feira, 27 de março de 2013

Por que o Brasil não é a Espanha?

Não posso dizer que fiquei espantado com os últimos jogos da Seleção Brasileira, contra Inglaterra, Itália e Rússia. Acredito que boa parte da "revolta" experimentada por parte da torcida seja daqueles que ainda pensam que estamos em 1970 e que o mundo ainda não sabe jogar bola. Talvez seja a hora de mudar os conceitos.

Antes de qualquer coisa, é evidente que nosso time não é uma "baba" e que temos plenas condições de vencer a maioria dos adversários que se apresentarem diante de nós em um campo de futebol. Podemos não entrar com o favoritismo de décadas passadas (em alguns casos, sequer seremos favoritos!), mas na hora que começa a peleja, podemos ganhar. Temos qualidade individual para isso.

Isso não quer dizer que a culpa seja do Felipão (ou tenha sido do Mano), que de fato não conseguiram fazer a equipe corresponder às expectativas. Não acredito que em algum momento o Brasil tenha escalado seu escrete ideal - na minha opinião - mas acho que as críticas precisam ser comedidas. É preciso entender o material que temos em mão e a difícil maneira de fazer as peças do quebra-cabeças encaixar.

Não acha? Pois eu proponho um exercício interessante. Tente lembrar dos últimos jogadores de destaque que o Brasil formou e quando eles deixaram de ser "promessas" para se tornarem "realidade". Via de regra, nossas revelações tem problemas para se adaptar a campeonatos mais competitivos e apenas depois de algum tempo é que alguns "vingam" ou mostram alguma melhora, mesmo que não triunfem no exterior. Por que?

Vale pensar nisso. Em geral, revelamos jogadores com as mesmas características, ano após ano: volantes com grande poder de marcação, mas problemas graves no passe; meias com preferência em jogar pelas pontas e que buscam o chute de longe; atacantes ágeis e habilidosos, mas com deficiência na finalização.  Poucas são as promessas que mostram algo diferente do "pacote físico" a que estamos nos acostumando.

Claro que sempre haverá exceções e é evidente também que um jovem que acaba de ser promovido da base ainda tem muito o que evoluir. Porém, é sintomático que o Brasil não forme há muito tempo atletas com fundamentos refinados que não o drible e com alguma consciência tática e coletiva. Nos tornamos uma linha de produção de jogadores rápidos/ fortes, mas que não conseguem desenvolver o jogo.

Por isso não chega a espantar, ao menos a mim, a dificuldade que os treinadores tem de encontrar peças para preencher um esquema. Todos os times do país tem um atacante de velocidade, um volante mordedor, um ala driblador, mas poucos podem contar com um meia passador, um zagueiro técnico e um centroavante mais completo.

O quadro é evidente e só não vê quem quer: nossa base forma muito mal.

Não acho que seja questão de abolir um esquemas táticos vistos como "limitantes" (muitas vezes o 3-5-2 é visto como um vilão - injustamente) ou abrir mão do trabalho físico com garotos mais novos (o futebol é esporte de contato e é importante ser "atlético"), mas é preciso mudar o trabalho nas categorias inferiores do Brasil. Tão importante quando cuidar dos fundamentos é ajudar o atleta a se desenvolver mentalmente, reforçar a parte coletiva e tática do esporte. Não é aceitável que um jogador - mesmo jovem - chegue tão "verde" ao grupo dos profissionais.

Muito se fala a respeito da evolução que o futebol passou nos últimos dez, quinze anos. A dinâmica do jogo é outra, a exigência é diferente, não apenas na resistência, força ou velocidade. Ser competente nos fundamentos e, mais ainda, saber como e quando utilizá-los é o grande diferencial do esporte hoje. Vemos Cristiano Ronaldo e Messi sobrarem no cenário esportivo justamente por serem jogadores repletos de artifícios, que entendem o jogo e sabem usar suas qualidades a seu favor - além, é claro, de serem dotados de um talento incrível.

Nossos jogadores são talentosos, mas estão aquém do desejável em diversos aspectos para serem as futuras estrelas da Seleção. Isso explica porque hoje o Brasil não é a Espanha ou a Alemanha, e mostra uma parte do caminho das pedras para voltarmos a ser um país dominante no futebol.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O lado manso da Fúria


Ainda que a Itália tivesse chegado na grande decisão da Eurocopa derrotando uma excelente Alemanha na semifinal; ainda que tivesse o grande destaque do torneio, Pirlo; ainda que o técnico Cesare Prandelli tenha promovido uma mini-revolução no estilo de jogo da Azzurra, investindo em um esquema menos defensivista e mais fluído; ainda que houvesse muito mais pesando para o lado da Itália, o favoritismo seguia com a Espanha.

Não poderia ser diferente, dado o retrospecto da Fúria nos últimos anos, uma hegemonia que foi traduzida em troféus e em exibições de gala. Porém, na Euro, ainda faltava algo. Nos dias que antecederam o jogo contra a Itália, muitos suspeitavam do momento espanhol. A Fúria seguia como um time paciente e egoísta, com a habitual posse de bola exagerada, mas sem conseguir efetivamente criar oportunidades de gol e, acima de tudo, concretizá-las. Os espanhóis sofreram contra times mais competentes, especialmente contra Portugal.

Com tudo isso em mente, teve início a final da Euro. 14 minutos depois, a Espanha promovia um massacre e fazia um a zero em cima dos italianos. Como explicar?

No que diz respeito ao campo, pura e simplesmente, Xavi guardou seus passes decisivos para o último jogo. O meia vinha fazendo um torneio abaixo das expectativas criadas ao seu redor, mas compensou a torcida no ato final. Mas apenas isso não explica o crescimento do jogo da Espanha na grande final em relação ao que vinha exibindo. Talvez a Fúria tenha adotado um outro aspecto do Barcelona, fora a posse de bola envolvente: a dificuldade em manter a motivação em alta.

É compreensível que depois de uma longa temporada em seus clubes os jogadores se poupem em duelos menos importantes com suas seleções. A questão é que o caso da Espanha é emblemático, tamanha a diferença de "fome" que a equipe mostra em situações mais triviais e nos momentos decisivos. Capaz de protagonizar partidas modorrentas e maçantes, na final da Euro os espanhóis atropelaram uma Itália que - ao contrário do que o placar sugere - foi um bom adversário.

Impossível não ver alguma semelhança com a trajetória que o Barcelona teve ao longo dessa temporada. No Campeonato Espanhol teve tropeços inexplicáveis em partidas onde se mostrou claramente desinteressado, demonstrando uma "certeza" de que em algum momento o gol sairia sem maior esforço, algo que nem sempre se acontecia. Com essa postura, trocava um número exorbitante de passes sem nenhuma objetividade, anotava índices de posse de bola astronômicos, mas não garantia os 3 pontos (ou até os ganhava, mas dessa forma sonolenta). Poucos dias depois, jogando pela Champions League, o Barça sacudia equipes fortes de maneira inapelável. De volta ao Espanhol, nos duelos mais "encorpados", contra times de ponta e especialmente contra o Real Madrid, via-se em campo um time avassalador e que poucas vezes pode ser superado quando estava nesse estágio de empenho.

Com o bicampeonato da Euro conquistado, a Espanha reforça sua condição de melhor seleção mundo e chegará na Copa das Confederações do ano que vem como o time a ser batido. A verdade é que hoje a Espanha só é ameaçada por si mesma e seu lado manso. Mesmo que tropece no torneio para um Brasil sedento ou uma Itália com menos problemas extra-campo, que ninguém se engane: na hora da verdade, em 2014, na Copa do Mundo, a Fúria virá com tudo. E aí, amigos, a coisa fica feia para quem cruza seu caminho...

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Os destaques da fase de grupos da Euro 2012

Terminado o primeiro ato dessa Eurocopa, tanto as surpresas quanto as decepções são bem flagrantes. A eliminação da Holanda, vice-campeã mundial em 2010, pegou a grande maioria dos torcedores e comentaristas esportivos desprevenidos. Na mesma linha - embora em proporções menores - a queda da Rússia para a Grécia, depois do bom futebol apresentado nas duas primeiras rodadas da fase de grupo, também surpreendeu.

Por outro lado, a seleção portuguesa mostrou um rendimento acima do esperado. Cristiano Ronaldo só conseguiu brilhar de fato no terceiro (e decisivo) jogo da equipe, mas outros jogadores se exibiram em bom nível e, com a ajuda de um esquema sólido, os Lusitanos passaram para as quartas. O English Team também soube tirar proveito da cautela e, mesmo cercada de desconfiança por todos os lados, se classificou em primeiro lugar em seu grupo.

Dentre os times que continuam vivos na Euro 2012, Grécia e República Tcheca se destacam como os mais fracos tecnicamente. Ainda assim, em jogos eliminatórios, os dois podem acabar surpreendendo seus adversários, embora os gregos tenham pela frente a temida Alemanha, uma das favoritas ao título. Tchecos e portugueses fazem um jogo sem tanta disparidade, mas tendo Portugal como favorito.

Os dois outros confrontos são quentes e clássicos absolutos do futebol mundial. A Espanha enfrentará uma França, que chegou à Eurocopa embalada e jogando bom futebol. Claro que a Fúria é uma equipe com mais qualidade, onde até no banco de reservas tem ótimos jogadores, mas a vida não será fácil contra Benzama e cia. No outro jogo, Inglaterra e Itália prometem um jogo de forte marcação e de poucas chances de gol. Quem for mais efetivo na hora da decisão, passará para as semis.

Finalizando, deixo aqui minha Seleção da Fase de Grupos da Eurocopa 2012. Foi um trabalho árduo escalar a equipe, com muitos candidatos para algumas posições e poucos para outras. Isso mostra, talvez, os "vazios demográficos" do futebol internacional hoje.

Hart
Alba
Hummels
Pepe
Selassie
Schweinsteiger
Pirlo
Gerrard
Silva
Benzema
Gomez

E você, qual a sua equipe da Euro 2012 até agora?

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ronaldinho sai do Flamengo, mas torcida pode ficar tranquila...

Após muita confusão e erros absurdos de ambos os lados, é noticiado o fim da passagem de Ronaldinho Gaúcho no Flamengo. Caso a notícia não se confirme, a torcida do Fla pode lamentar. A saída do meia é a única solução para os problemas que já se arrastam há meses na Gávea. Não existe nenhuma outra forma de salvar a relação entre clube e jogador, destruída por erros grosseiros de ambas as partes e construídos desde a contratação de R10. É preciso que o Flamengo aprenda alguma coisa com esse ridículo caso que tomou proporções grandes demais.

Sobre a situação de Ronaldinho e seus salários atrasados, é inadmissível que um clube assuma compromissos que não pode cumprir. Isso é uma tônica das administrações do Flamengo, que se preocupa primeiro em assegurar um reforço ou anunciar uma novidade para só depois pensar em formas de fazer as contas fecharem. Não por acaso, raramente - quase nunca - fecham. O Fla é o clube que diz que o dinheiro acabou e, 90 dias depois, anuncia Adriano como reforço. Dentro da realidade do futebol brasileiro, pagar mais de um milhão de reais por mês para um jogador é absurdo (isso sem entrar na questão do "quanto vale R10", ao menos por enquanto), especialmente nas condições que o Flamengo se dispôs a fazê-lo, completamente dependente da Traffic para realizar os pagamentos. A própria Traffic é vilã no caso, por ter participado passivamente do leilão entre Flamengo e Palmeiras quando Ronaldinho estava disponível no mercado apenas para inflacionar o salário do jogador e valorizar a transferência. Agora a conta ficará para o Rubronegro, acionado na Justiça para pagar as cifras que deve ao jogador depois de todos os atrasos de ordenado.

Esportivamente falando, Ronaldinho Gaúcho acabou. Ronaldinho Gaúcho não quer mais ser jogador de futebol de alto nível. Ronaldinho Gaúcho quer festas, e ninguém pode julgá-lo por isso. O erro foi terem apostado tantas fichas em um atleta que já dava indícios de suas reais aspirações há muito tempo, desde quando saiu do Barcelona. Na Europa mesmo, R10 foi criticado pela vida repleta de baladas e minguante de futebol. Já no Brasil, o Flamengo poderia ter lidado com os deslizes profissionais de R10 de muitas maneiras, mas passou a mão na cabeça do meia enquanto ele fazia dois gols e dava uma assistência por mês no ano passado. Enquanto a torcida aplaudia Gaúcho, ele podia fazer o que quisesse fora de campo. Quando vazou a notícia dos atrasos de pagamento, isso virou desculpa para justificar as faltas, atrasos e más exibições de Ronaldinho. Deivid, que não recebia há meses e ouviu desaforo de dirigente nos corredores da Gávea, batia cartão pontualmente no Ninho do Urubu e ia para campo sem inventar desculpas; era ridicularizado pelos torcedores por um gol perdido. Isso é Flamengo.

E agora, para onde irá R10? Impossível acreditar que qualquer clube sério ainda deseje o jogador. Ronaldinho deve mesmo ir para as Arábias encher (mais ainda) os bolsos. Os Sheiks que se preparem!

Sobre Assis, irmão e agente de Ronaldinho, não há o que falar. Foi covarde na negociação de R10, deu várias declarações equivocadas ao longo do imbróglio com o clube, protagonizou um papelão na loja do Flamengo e é investigado por um possível desvio de verbas em projetos sociais. Além de péssimo empresário, mostra ser pior ainda em outros aspectos. Indigno de considerações.

Para finalizar, o que dizer da "organização" do Flamengo? No clube, mandam todos e ninguém. Cada cartola fala o que bem entender e os outros que se virem para apagar os incêndios. O Fla foi capaz de queimar o seu maior ídolo e profissional sabidamente competente, Zico, por conta de dissidências políticas dentro da Gávea. Onde está Patrícia Amorim? No início parecia se tratar de uma comandante com ideias que fugiam dos "lugares-comuns" que regem o futebol semi-amador do Brasil, mas logo se perdeu em meio ao caos político que é - há muito tempo - o Flamengo. Faltou pulso.

Em uma tentativa de mudar o foco, surgiu essa semana a informação de que a Adidas estaria interessada em substituir a Olympikus como fornecedora de material esportivo para o Flamengo. Os valores seriam maiores do que os que o clube recebe hoje e foram apresentados para a Olympikus para que ela possa, se quiser, cobrir a proposta. O Fla vai agora fazer seu próprio leilão em busca de novos trocados, um direito inalienável do clube, que precisa mesmo de novas cifras no cofre. Mas não é tão simples assim: como fica a questão do Museu do Flamengo e da grande loja oficial que vinham sendo tocadas em conjunto com a Olympikus? Os investimentos já feitos, os valores por quebra de contrato e outros tantos pontos burocráticos no negócio? São apenas mais ingredientes que prometem criar ainda mais confusão dentro do Fla.

Mas a torcida Rubronegra pode ficar tranquila! Bruno vem aí...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Uma final de UCL diferente

A final da UEFA Champions League de amanhã não será a partida que a maioria antecipava antes dos duelos das semis. Ainda que o jogo entre Real Madrid e Bayern de Munique não tivesse um franco favorito, não há como negar que hoje os espanhóis tem um time mais coeso e talentoso que os bávaros (que também tem uma excelente equipe, que fique claro). Do outro lado da chave, a barbada era evidente: como poderia um cambaleante Chelsea eliminar a máquina barcelonista de jogar futebol? Mas o improvável aconteceu, festa em Londres.

Bayern e Chelsea se enfrentam neste sábado carregando nas costas o peso do sacríficio necessário para eliminar aqueles que eram considerados os maiores candidatos para uma decisão épica e inesquecível da UCL. Tanto os alemães quanto os ingleses mandarão ao gramado equipes com alguns reservas, graças às suspensões automáticas por cartões amarelos (no caso de John Terry, um vermelho totalmente desnecessário). É o preço que se paga para superar adversários mais fortes... Aliás, não por acaso, a final será o duelo entre os dois times que mais receberam cartões amarelos na competição. Sinal de jogo pegado, como não poderia deixar de ser.

É a final dos azarões remendados. Já tem tons de drama!

Algumas ausências serão muito sentidas. Os Blues perderam Ramires, principal jogador do time nesta reta final de temporada, e John Terry, capitão e referência na defesa londrina, suspensos. Além da importante dupla, Raúl Meirelles e Ivanovic também receberam o terceiro amarelo e ficam de fora. O técnico Di Matteo terá alguma dor de cabeça para preencher as lacunas em seu time titular sem que ele perca a intensidade que vinha mostrando nos últimos jogos.

Ainda com todos os problemas que o Chelsea deverá ter por conta dos desfalques, não vejo muitos motivos para otimismo exagerado pelo lado dos bávaros. As ausências de Badstuber, Alaba e Luiz Gustavo podem dar a impressão de serem menos impactantes que as do adversário, mas tratam-se de nomes importantes para o setor mais deficiente do Bayern, a defesa. Sem seus titulares na lateral direita, um dos zagueiros e o primeiro volante, a tendência é que o torcedor alemão tenha muitas emoções pela frente.

O Chelsea tem um elenco mais coeso e capaz de encontrar alternativas para se ajeitar para a final; o Bayern não. Deverá improvisar o volante Tymoschuck como zagueiro, recuar o excelente (e polivalente) Tony Kroos para ficar ao lado de Schweinsteiger e lançará o brasileiro Rafinha na lateral. Para os Blues, a grande dúvida é se David Luiz e Gary Cahill estarão bem fisicamente e aptos para atuar, já que ambos vem se recuperando de lesões. Com certeza, 100% a dupla não estará, mas acredito que irá a campo. Nenhum dos dois vai querer ficar de fora de uma grande decisão como essa. Já para substituir Ramires, não há no Chelsea alguém capaz de desempenhar a função que Di Matteo lhe delegou, jogando pela ala do campo em uma linha mais avançada. Mata será o responsável por desafogar o time na final, ainda que não viva um momento como o do início da temporada, quando esteve muito bem. O bom lateral Ivanovic será substituído pelo inconstante Bosingwa, para arrepio da torcida londrina.

Com tantos ingredientes, a frustração por não vermos Real Madrid e Barcelona em campo decidindo o torneio fica até em segundo plano. Claro que um duelo entre as duas melhores equipes do mundo na atualidade na grande final da Liga dos Campeões seria espetacular, mas Chelsea e Bayern prometem oferecer uma daquelas partidas inesquecíveis por conta das adversidades que encontrarão. Os dois jogarão contra o rival e contra si mesmos, buscando superar suas limitações evidentes por causa dos desfalques e motivadíssimos para a conquista do troféu. Por si só, a UCL já vale muito; para um Bayern que decide o campeonato em casa e um Chelsea que busca seu primeiro título da competição será, sem dúvidas, o jogo da vida da maioria dos envolvidos no embate.

Para terminar, meu palpite: Bayern de Munique 2 x 1 Chelsea.